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A solidão gay é ausência de espaços para ser inteiro

  • Writer: Desvvio Comunidade
    Desvvio Comunidade
  • May 25
  • 3 min read

Updated: Jun 6

Apesar de vivermos uma era marcada por avanços em visibilidade, direitos e conexão, muitos homens gays seguem atravessando uma solidão difícil de nomear. Não se trata da ausência de companhia ou de vínculos afetivos — mas da experiência de estar cercado e, ainda assim, sentir-se incompleto. É uma solidão que não se manifesta como isolamento físico, mas como a falta de um espaço emocional verdadeiro.


O mais desconcertante é que ela costuma surgir nos lugares onde supostamente deveríamos estar seguros: nas amizades próximas, nos encontros afetivos, nos grupos que chamamos de nossos. Ali, mesmo com acolhimento aparente, nem sempre conseguimos aparecer por completo. Acabamos escolhendo o que mostrar: o lado leve, divertido, desejável. Aquilo que é mais denso, contraditório ou sensível costuma ser guardado, por medo de incomodar ou deixar de ser aceito.


Essa experiência está profundamente ligada à forma como fomos socializados. Muitos de nós aprenderam, desde cedo, a se observar antes de se expressar. A mapear o ambiente, adaptar o gesto, conter o afeto. No início, isso era proteção. Com o tempo, virou hábito — e mais do que isso: uma espécie de pré-requisito para o pertencimento. Ser aceito passou a depender da nossa capacidade de se moldar emocionalmente.


Ainda hoje, em muitos círculos, há uma expectativa silenciosa de que sentimentos não venham com peso demais, que a dor seja acompanhada de leveza, e que a entrega não vire dependência. É assim que seguimos nos relacionando de forma funcional, mas distante. E, gradualmente, vamos nos tornando especialistas em parecer bem — mesmo quando há muito dentro de nós querendo ser acolhido.


Essa solidão, no entanto, não é uma falha pessoal. Ela revela o esgotamento de um modelo relacional que valoriza a aparência de equilíbrio e afasta o que é incômodo, imperfeito ou excessivo. Um modelo que confunde leveza com superficialidade e transforma vulnerabilidade em ameaça.


Romper com isso exige mais do que vontade de se conectar. Requer presença real — aquela que permanece mesmo quando a conversa escapa do controle, quando o outro não está “bem” ou quando o silêncio chega sem explicação. Criar vínculos mais verdadeiros passa por sustentar o desconforto, escutar sem a pressa de responder e acolher o outro em sua inteireza — mesmo quando isso nos tira do papel confortável de quem oferece segurança sem ser afetado.


Esse gesto, de manter-se presente diante do outro que se revela, é também um ato de cuidado consigo. Quando nos dispomos a sustentar a inteireza de alguém, aos poucos, vamos redescobrindo a nossa. A solidão começa a se dissolver não porque encontramos alguém que nos preencha, mas porque deixamos de esconder partes de nós para seguir pertencendo. Talvez o que falte não seja amor — mas contexto. Um ambiente emocional onde o afeto não precise atravessar filtros para chegar. E talvez a criação desses espaços comece com uma pergunta honesta: “Com quem eu posso ser inteiro — sem precisar me corrigir?”


Esses espaços, no entanto, não surgem por acaso. Eles precisam ser cultivados.

Tudo começa na relação que temos conosco. Criar espaço interno é permitir-se sentir sem pressa, escutar o que dói sem minimizar, reconhecer o que se precisa sem transformar tudo em tarefa de autocorreção.Sem esse terreno, mesmo as relações mais abertas acabam nos soando distantes.


A partir daí, o cultivo se estende aos vínculos próximos — aqueles que nos sustentam quando não estamos em nosso melhor estado. Relações onde o afeto se mantém mesmo quando não somos leves, produtivos ou fáceis. Onde é possível dizer “não estou bem hoje” e ainda assim ser mantido por perto.


E por fim, é preciso imaginar — e habitar — espaços coletivos que também sejam emocionais. Ambientes físicos ou digitais onde possamos existir sem precisar performar estabilidade ou leveza. Lugares onde a escuta tenha mais valor que a estética, e onde o afeto seja um compromisso mútuo, não uma recompensa por parecer forte.


Porque a verdade é que não se trata de negar o prazer ou a celebração. É sobre incluir, também, a conversa que acontece quando a música para.


E ali, talvez, a gente descubra que é possível pertencer de verdade.

 
 
 

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