Já viveu um relacionamento fantasma? Romances gays e fuga emocional.
- Desvvio Comunidade
- Jun 10
- 3 min read
Era uma daquelas histórias que parecem certas demais. A conexão foi rápida, intensa, quase cinematográfica. Os gestos, os planos, os olhares... tudo apontava para um futuro juntos. Uma nova rotina começou a se formar, os círculos sociais começaram a se misturar, e o corpo relaxou na sensação de que, talvez, finalmente, algo verdadeiro estivesse nascendo.
Mas não durou.

Primeiro, vieram os atritos — nada muito grave, apenas as inevitáveis fricções de quem começa a se conhecer para além da superfície. Mas bastou o primeiro conflito real para que a base começasse a ruir. Ele dizia que ainda havia amor, mas não sabia como sustentar aquilo. E então... silêncio. Nenhuma conversa. Nenhuma despedida. Nenhum esforço para entender ou elaborar o fim. Apenas ausência. Como se eu tivesse deixado de existir de um dia para o outro.
Por meses, tentei dar nome ao que havia acontecido. Me perguntei onde eu errei, o que faltou, o que foi "demais" ou "de menos". Até que li um texto da psicóloga Tatiana Paranaguá sobre relacionamentos fantasma — e tudo fez sentido.
Relacionamentos fantasma são aqueles que parecem consistentes, mas revelam uma base frágil quando confrontados com os desafios inevitáveis da intimidade. São vínculos construídos mais na idealização do que no compromisso com o real. Enquanto tudo vai bem, o encantamento se mantém. Mas basta surgir um atrito, um mal-entendido, uma frustração... e um dos dois simplesmente desaparece. Emocional e fisicamente.
Não há fechamento. Não há diálogo. Não há luto possível. Só um eco. Um vínculo interrompido que segue reverberando — invisível, mas presente.
Esse tipo de desaparecimento emocional é mais comum entre homens gays do que se costuma admitir. Não por falta de afeto, mas por causa das marcas que muitos de nós carregamos. Crescemos com medo do abandono, do julgamento, da vergonha. E, quando encontramos alguém que parece nos enxergar de verdade, é fácil projetar ali tudo o que sempre quisemos viver. Mas isso também nos torna mais vulneráveis a idealizar demais, muito cedo — e a nos prender a fantasias antes que a relação tenha tempo de se provar no cotidiano.
O problema não é querer amar. O problema é quando confundimos o desejo de estar com alguém com a ilusão de que esse alguém já é tudo aquilo que esperamos. E, do outro lado, há quem não saiba o que fazer com tanta expectativa. Há quem se sinta sufocado. Há quem prefira desaparecer a encarar o incômodo de uma conversa difícil.Como uma criança que enjoa do brinquedo — e simplesmente larga sem olhar pra trás.
O impacto que isso deixa é profundo.Não é só sobre o outro ter ido embora.É sobre a sensação de ter sido descartado, apagado, ignorado.É sobre começar a duvidar de si mesmo, da própria capacidade de ser amado de verdade.E, se essas feridas não são elaboradas, elas reaparecem em novos encontros, disfarçadas de desconfiança, medo, pressa ou idealização precoce.
Mas também é preciso reconhecer onde, muitas vezes, a gente também erra.No meu caso, havia sinais: posturas ambíguas, falta de profundidade emocional, uma dificuldade constante em sustentar tensões. Eu vi, mas escolhi não ver. Me apeguei à fantasia de que, com tempo e amor, tudo se encaixaria. Era mais confortável sustentar a ilusão do que encarar o incômodo da dúvida.
Hoje, busco um outro tipo de amor. Um amor que encara conversas difíceis, que permanece presente mesmo quando o encantamento dá lugar à complexidade da convivência. Aprendi a prestar atenção nos gestos repetidos, não só nas palavras.A perguntar: essa presença é real ou só uma projeção do que eu gostaria que fosse?
Nós, homens gays, merecemos relações que não desmoronem no primeiro obstáculo.Não buscamos perfeição — buscamos verdade. Presença. Cuidado. Maturidade.
E amar com mais consciência não significa amar menos. Significa proteger o que temos de mais valioso: o nosso tempo, a nossa intimidade, a nossa capacidade de confiar.
Se você já viveu algo parecido, saiba que não está sozinho. Falar sobre esses fantasmas é o primeiro passo para que eles percam força. Nomear é um ato de cura. E, às vezes, só quando a gente entende o que viveu é que consegue, de verdade, se abrir para viver o que ainda pode vir.
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